Teoria da Mente e o contexto social infantil – Por Cláudia Facchin
André*, 5 anos de idade, entra na cozinha onde sua mãe está preparando o almoço e lhe comunica:
_ Mãe, o Lucas está mexendo na televisão.
Lucas*, seu irmão um ano mais velho, estava, na verdade, brincando com um brinquedo novo e muito interessante que as duas crianças haviam ganhado de presente. O que André pretendia na verdade, era que sua mãe colocasse o seu irmão de castigo e, obviamente, o brinquedo ficaria disponível para que ele pudesse brincar.
Essa cena não representaria nada de extraordinário, se estivéssemos falando de crianças típicas. Entretanto, André recebeu o diagnóstico de autismo há cerca de dois anos e, portanto, diversos aspectos cognitivos de seu desenvolvimento estão afetados, sobretudo as que recaem sobre o desenvolvimento social.
Crianças com TEA apresentam prejuízos em diversos domínios cognitivos, sobretudo em relação à Teoria da mente (ToM) que refere-se à capacidade de compreender e atribuir estados mentais a si mesmo e aos outros colaborando para a predição de comportamentos. Essa capacidade permite que possamos compreender que as outras pessoas têm intenções, pensamentos e sentimentos diferentes dos nossos. (Singer & Tusche, 2014).
A aquisição da ToM é fundamental para o desenvolvimento social da criança, já que para se relacionar socialmente é necessário identificar não somente o que o outro diz, mas principalmente suas intenções (linguagem pragmática).
Na cena descrita, encontramos um excelente exemplo de ToM. Para que André pudesse supor que, se sua mãe colocasse Lucas de castigo, poderia brincar com o brinquedo sozinho, ele precisou fazer inferências bastante complexas acerca dos pensamentos da sua mãe e do seu irmão e, portanto, temos aqui uma clara demonstração de que André já começou a desenvolver esta habilidade.
A ToM surge espontaneamente nas crianças típicas por volta dos 4 anos de idade. Nas crianças com TEA, entretanto, esta habilidade encontra-se bastante comprometida e, na prática, verifica-se que muitos adultos com TEA, ainda apresentam prejuízos nessa habilidade.
Esse impacto poderá ser maior ou menor na vida da criança dependendo da sua capacidade de encontrar meios cognitivos alternativos para compensar a sua inabilidade em usar o contexto social para compreender o que outras pessoas pensam e sentem. Programas voltados para o treino de habilidades sociais, com estratégias estruturadas de conversações e comportamentos apropriados aos contextos sociais poderão trazer grandes benefícios ao comportamento social destas crianças.
Singer, T., Tusche, A. (2014). Understanding others: brains mechanisms of theory of mind and empathy. Neuroeconomics. Elsevier.